Bastidores: “Feito de Fernandas” - Quando publicidade, cinema e TV se encontram
IA, habilidades híbridas e as oportunidades escondidas na fotografia profissional
Na última semana, tive o privilégio de fotografar algo que representa uma virada de chave no audiovisual brasileiro: o especial “Feito de Fernandas”, uma co-criação entre Itaú, Rede Globo e Africa Creative que reúne Fernanda Montenegro e Fernanda Torres - as únicas brasileiras indicadas ao Oscar de Melhor Atriz - em uma conversa intimista que vai ao ar nesta sexta (19), após o Globo Repórter.
Mais que um trabalho, foi um laboratório vivo das transformações que estão redesenhando nossa profissão. E não, a fotografia não morreu com a IA. Ela só separou quem chora de quem vende lenços.
A convergência: quando as fronteiras desaparecem



Existe um movimento silencioso acontecendo que poucos estão percebendo: a publicidade está invadindo a TV aberta com linguagem de cinema. E isso não é casual.
O caminho foi aberto pelo próprio cinema em parceria com a Globo nos últimos anos, mas agora chegou à publicidade de forma estruturada. O que vi nessa gravação foi uma equipe híbrida, operando em ritmos diferentes simultaneamente - a agilidade da publicidade convivendo com a cadência da TV, tudo isso temperado com a estética cinematográfica que o público passou a exigir depois de anos de streaming.
E aqui está o pulo do gato para nós, fotógrafos: isso cria oportunidades gigantescas para profissionais que transitam entre esses universos. Não basta mais ser “fotógrafo de cinema” ou “fotógrafo publicitário”, as fronteiras estão difusas. O mercado está pedindo gente que entenda os códigos de cada linguagem e consiga navegar entre elas.
Enquanto muitos choram dizendo que “a IA matou a fotografia”, eu estava ali, desenvolvendo uma segunda habilidade: escrever e divulgar o trabalho. Minhas fotos já saíram em Meio & Mensagem e Clube de Criação antes mesmo do especial ir ao ar. Minha ex-chefe percebeu algo que poucos enxergam: isso atrai público, gera buzz, alimenta o ecossistema.
A IA vai facilitar para todo mundo que for criativo, como sempre. Mas as habilidades que vão te diferenciar são múltiplas, híbridas e complementares.
A sutileza absurda: direção de arte que o cérebro vê, mas o olho não percebe






Tem uma coisa que me deixou de queixo caído nessa produção, e que poucos fotógrafos estão prestando atenção hoje em dia: a sutileza da direção de arte.
A marca do Itaú é laranja. Todo mundo sabe. Mas ao invés de enfiar o logo na cara do espectador, a equipe de arte construiu uma atmosfera laranja que seu cérebro percebe, mas seus olhos mal identificam conscientemente:
Porta-retratos com moldura laranja
Quadros com elementos alaranjados
Livros com lombadas cor de tangerina
Acessórios de decoração em tons terrosos e quentes
A própria iluminação tinha temperatura de cor mais quente, pendendo para os alaranjados
E o figurino? Obra-prima de comunicação não-verbal:
Fernanda Montenegro (a matriarca): calça neutra tom areia e camisa azul - a cor complementar, oposta ao laranja na roda cromática. Ela representa a contrapartida, o equilíbrio, a sabedoria que pondera.
Fernanda Torres: tons claros, areia também, que não contrastam com a mãe - se unem, mostram continuidade, mostram que mesmo com visões diferentes (o azul da mãe), há harmonia geracional.
Isso é sutileza de direção de arte de nível internacional. São detalhes que nossos olhos não enxergam conscientemente, mas que nosso cérebro processa e que criam aquela sensação indefinível de “isso está bonito, está certo, está harmonioso”.
E aqui vai minha bronca:
Isso era obrigação PRIMEIRA do fotógrafo. Nós éramos os guardiões desses detalhes. Mas muita gente da nossa área parou de estudar cor, parou de entender narrativa visual, parou de conversar com diretores de arte. Ficou só no “meu sensor é full frame” ou “minha lente é mais nítida”.
Enquanto isso, o mercado evoluiu. E quem não evoluiu junto, chora. Falei sobre isso nesse (nada agradável) post:
A técnica a serviço da narrativa: quando dominar a luz ainda importa (e muito)
A gravação começou tarde. O sol real já estava baixo demais. A solução? Criar um sol particular.
O diretor de fotografia trouxe refletores potentes posicionados a uma distância considerável das janelas, simulando luz solar invadindo a casa. Por quê tão longe? Lei do inverso do quadrado: quanto mais distante a fonte de luz, maior a área iluminada com pouca variação de intensidade.
Luz próxima cria degradês dramáticos. Luz distante imita a natureza - como o sol, que está tão longe que ilumina continentes inteiros com intensidade relativamente uniforme.
Além disso, a luz quente reforçava a paleta laranja do Itaú de forma orgânica. Tudo calculado.
Claro, isso exige equipamento extra, geradores, estrutura. Para a Globo, que tem caminhões de equipamento, é viável. Mas isso explode o custo de produção - e é aí que profissionais que sabem fazer MAIS com MENOS se destacam.
A iluminação não era um capricho estético. Era narrativa pura: acolhedora, quente, familiar, nostálgica. Exatamente o que uma conversa entre mãe e filha sobre memórias e legado pede.
A revolução silenciosa: Nikon Z50II e o novo paradigma do fotógrafo still
Agora vou falar da parte que mais me empolga, porque mudou radicalmente minha forma de trabalhar.
Usei a Nikon Z50II nessa produção, e preciso dizer: essa câmera confirmou que fiz a escolha certa quando decidi comprá-la. Não é sobre sensor. Não é sobre megapixels. É sobre ferramenta adequada ao trabalho.
Nikon Z50 II: A Melhor Mirrorless de Entrada para 2025? Review Completo em Português
Se você achava que o universo mirrorless APS-C já estava saturado, a Nikon chegou com a Z50 II pra te dar um tapa de realidade. Mais rápida, mais esperta e com aquele feeling na mão que só quem fotografa muito entende — a Nikon Z50 II não veio pra brincar de casinha. Veio pra arrebentar.
Modo silencioso durante a gravação
Em 17 anos fotografando cinema e TV, eu NUNCA consegui fotografar durante a gravação propriamente dita. DSLRs fazem barulho. Você fica refém dos ensaios, daqueles momentos frios, mecânicos, onde os atores ainda não estão 100% na emoção.
Com a Z50II no modo silencioso? Fotografei DURANTE a gravação. Eu mesmo tinha que me certificar que a foto fora feita, acostumado que estava com o “click”.
As expressões que capturei são reais. São do momento. São a Fernanda Montenegro e a Fernanda Torres conversando de verdade, não ensaiando. Isso é revolucionário para fotografia still. Muda tudo.
Foco automático no olho: libertação criativa
A câmera detecta e trava foco no olho da pessoa automaticamente. Parece besteira? Mudou minha fotografia completamente.
Eu não preciso mais ficar brigando com o foco. Eu só enquadro e penso composição. Eu observo luz, emoção, momento. A câmera se encarrega da parte técnica. Mês passado fui fotografar um evento com a D750, minha antiga câmera, e admito que as primeiras fotos estavam fora de foco.
Caramba, tenho que mover o joystick do foco!
É como ter um assistente invisível cuidando do que é mecânico, liberando meu cérebro para o que é criativo. Isso é usar tecnologia a favor do fotógrafo, não contra.
Modo JPEG com retoque nativo: fluxo de trabalho revolucionário
Mirrorless têm uma vantagem brutal: você vê a foto antes de fazer, não é uma aproximação no visor ótico - é a imagem REAL.
Usei o modo de retoque de pele nativo da Nikon. Resultado? Fotos sem necessidade de edição. A maquiagem e cabelo eram do nível de excelência da Globo. As fotos podiam ser divulgadas imediatamente, como se fossem feitas por celulares, mas com qualidade profissional integral.
Bateria: o “problema” que deixou de ser problema
O calcanhar de Aquiles das mirrorless já está ficando para trás. Fiz 500 fotos com tranquilidade e sobrou bateria.
Como backup, uso um powerbank com cabo longo na mochila. Fotografo com alimentação praticamente infinita nas costas. Simples, barato, eficiente.
Upload e entrega: work flow do futuro
Terminaram as gravações. Entrei no Uber de volta. Subi tudo para o Google Fotos. Favoritei 90 imagens. Criei dois álbuns: “Editadas” e “Material Completo”. Enviei os links para a produção.
Cheguei em casa com zero trabalho de edição ou manipulação. As imagens podiam ser editadas nativamente no celular de cada responsável. A agilidade que isso traz para o cliente é absurda. E isso me diferencia. Nenhuma das fotos publicadas aqui passou pelo photoshop, assim saíram da câmera, é publicação instantânea!
Sobre sensor crop, desfoque e outras neuroses
“Ah, mas sensor crop não tem desfoque”, “Ah, mas não é full frame”, “Ah, mas a nitidez...”
Se preocupar com isso em 2025 mostra o quanto o YouTube brasileiro está arraigado no passado. Uma câmera com essas habilidades, lentes AF f/1.4 de 200 dólares - chega a ser um abuso de tão acessível. Com pouco investimento, o fotógrafo já trabalha com qualidade indiscutível em diversos setores.
O que separa quem trabalha de quem reclama não é mais equipamento. É visão, é adaptabilidade, é entender que a ferramenta serve ao trabalho, não o contrário. A última peça que falta evoluir nesse jogo é a mente do fotógrafo.
Conclusão: IA, habilidades híbridas e o futuro que já chegou
A IA não matou a fotografia. Ela está matando fotógrafos preguiçosos.
O especial “Feito de Fernandas” é um microcosmo do que está acontecendo no audiovisual: convergência de linguagens, exigência de habilidades múltiplas, e recompensa para quem se adapta.
Fui contratado para fotografar. Mas também escrevo, divulgo, entendo de branding, sei navegar entre publicidade, cinema e TV, domino fluxo de trabalho digital, entendo direção de arte, sei ler luz e narrativa.
A IA vai facilitar muita coisa? Sim. Mas vai facilitar para quem já é criativo, versátil, curioso. Para quem estuda, evolui, não fica preso em neuroses de sensor full frame ou discutindo megapixels em fórum.
O mercado não acabou. Ele só ficou mais exigente. E isso é ótimo.
Agora divide quem chora de quem vende lenços. Eu escolhi vender lenços.
E como prêmio para você que chegou até aqui, assista ao trailer do especial e perceba tudo o que debatemos no artigo funcionando em harmonia:
O especial “Feito de Fernandas” vai ao ar nesta sexta-feira (19), após o Globo Repórter. Uma co-criação entre Itaú Unibanco, TV Globo e Africa Creative.
Fotos da produção publicadas em: Meio & Mensagem | Clube de Criação









Acho que esse é o melhor post que já li n’A OBSCURA até agora. Muito educativo e fecha o perímetro do polígono perfeito com tudo que você fala, provando por A+Z que todas as demais cosias que você escreve, fazem muito sentido, e esse post prova como todas as suas elucidações são mais nítidas do que o melhor auto-foco no olho poderia proporcionar. Parabéns!
Gratidão por compartilhar essa fantástica experiência. Qual a(s) lente(s) que você utilizou nesse trabalho na Z50?