Como Philippe Halsman Criou a Foto Mais Famosa de Salvador Dalí: 26 Tentativas, 6 Horas e Zero Photoshop
A história por trás da icônica "Dalí Atomicus": equipamentos analógicos, técnicas de fotografia e os bastidores da colaboração entre o fotógrafo mais publicado da América e o gênio surrealista

Imaginem fazer hoje uma das fotos mais famosas da história: Salvador Dalí voando pelo ar enquanto três gatos são arremessados e um balde d'água explode em slow motion. Vocês pegariam a câmera, fariam algumas capturas em modo burst, escolheriam a melhor no Lightroom e pronto.
Posting no Instagram em 15 minutos.
Em 1948, Philippe Halsman precisou de 26 tentativas, seis horas de trabalho, assistentes jogando gatos pela sala, a esposa despejando água, e a paciência sobrehumana de um dos artistas mais excêntricos do século XX.
Bem-vindos à era onde cada clique realmente importava.
A Complexidade Técnica que Faria Qualquer Fotógrafo Atual Chorar
Vamos colocar isso em perspectiva: Halsman estava usando uma câmera de grande formato 4x5 polegadas, sem autofoco, sem medição automática de luz, sem visualização instantânea. Cada frame custava dinheiro real e tempo real. Não existia "delete" – existia jogar filme fora e começar de novo.
A "Dali Atomicus" exigia coordenação militar: assistentes arremessavam três gatos simultaneamente enquanto a esposa de Halsman, Yvonne, despejava um balde inteiro de água fria. Dalí, no centro, saltava de uma cadeira no momento exato. Halsman precisava capturar tudo isso em 1/60 de segundo, sem saber se tinha conseguido até revelar o filme.
Para os fotógrafos de hoje: imaginem fazer isso sem poder ver o resultado na tela traseira. Sem poder ajustar ISO instantaneamente. Sem ter 64GB de cartão para testar à vontade. Era fotografia no modo hardcore, onde técnica e intuição eram questão de sobrevivência profissional.
O processo de cada tentativa era épico: reposicionar Dalí (que ficava cada vez mais molhado), acalmar os gatos traumatizados, limpar o chão, resetar a iluminação, recompor a cena, e torcer para que na próxima tudo se alinhasse perfeitamente no momento do clique.
O Arsenal Tecnológico de 1948: Quando Equipamento Era Artesania
Halsman não estava brincando quando se tratava de equipamentos. Para tirar a fotografia, usou uma câmera reflex de lente dupla 4×5 que ele mesmo projetou. A cadeira à esquerda foi segurada por um assistente. Tanto a pintura Leda Atomica quanto o cavalete atrás de Dalí foram suspensos por fios. O banquinho foi apoiado por um suporte.
Foram utilizados e baldes de água e gatos reais. Halsman também teve assistentes que o ajudaram a lançar os felinos e todo o líquido. Para coordenar os assistentes, Halsman contava até quatro; no três, os assistentes lançavam os gatos e a água; no quatro, Dalí saltava.
Nada de matrix metering ou spot metering automático – tudo calculado manualmente, baseado em experiência e conhecimento técnico puro.
Quando as fotografias estavam sendo tiradas, o cavalete atrás de Dalí continha apenas uma moldura vazia. Depois que a imagem final foi escolhida, Dalí pintou, diretamente na impressão, para produzir a imagem mostrada.
Faz isso com um prompt, faz…

Philippe Halsman: O Mestre dos Retratos Impossíveis
Antes de entendermos como ele "dirigiu" Dalí, precisamos saber quem era Philippe Halsman. Nascido na Letônia, refugiado em Paris, estabelecido em Nova York, Halsman se tornou o fotógrafo de revista mais publicado da América entre os anos 40 e 70. Suas capas na Life Magazine são lendárias.
Mas Halsman não era apenas mais um retratista. Ele era um inovador obsessivo que transformou o retrato de celebridades em arte psicológica. Sua teoria? "Quando você pede para alguém pular, a máscara cai." Por isso criou a "jumpology" – o estudo das personalidades através de fotos de pulos.
Einstein pulando, Marilyn Monroe pulando, até políticos conservadores pulando – Halsman conseguia que todos topassem suas ideias malucas porque entendia algo fundamental: fotografia é direção, é psicologia, é timing. Era um diretor de cinema que trabalhava com um frame único.
Sua parceria com Dalí durou décadas e gerou mais de 30 colaborações. Eles se entendiam porque compartilhavam a mesma obsessão: fazer o impossível parecer natural, transformar o surrealismo em realidade fotográfica.
Dirigindo um Gênio Egocêntrico (Spoiler: Não Era Fácil)
Salvador Dalí não era exatamente o modelo mais colaborativo do mundo. Imagine dirigir alguém que chegava aos sets usando um uniforme de mergulhador, que declarava publicamente ser um gênio, e que tinha opiniões muito específicas sobre como deveria ser retratado.
Halsman descobriu que a chave era tratar Dalí como co-criador, não como modelo. "Philippe, que tal se eu saltar assim?" "E se colocarmos mais gatos?" Dalí se empolgava com desafios técnicos impossíveis – e Halsman sabia usar isso.
Durante as 26 tentativas da "Atomicus", Dalí nunca reclamou de estar ficando molhado ou de repetir o salto. Pelo contrário, ele ia sugerindo variações: "Agora com mais energia!" "Os gatos precisam voar mais alto!" Era uma colaboração entre dois perfeccionistas obsessivos.
A dinâmica funcionava porque Halsman respeitava a visão artística de Dalí, mas mantinha controle total sobre a execução técnica. Dalí criava o conceito surreal, Halsman resolvia como torná-lo fotograficamente possível. Um cuidava da loucura, o outro da logística.
Curiosidade: Dalí insistiu que os gatos fossem jogados da esquerda para a direita porque "a energia cósmica flui nessa direção". Halsman concordou – não porque acreditasse, mas porque sabia que um Dalí confiante faria poses melhores.
Os Bastidores que Ninguém Via: Logística de Uma Obra-Prima
O que não aparece na foto icônica é toda a infraestrutura necessária para criar aquele momento. O estúdio de Halsman em Nova York precisou ser completamente reorganizado. Eles forraram o chão com lona plástica, montaram uma estrutura para segurar os fundos, e posicionaram toalhas estrategicamente para não escorregar na água.
Mestres da Fotografia
Sempre que olho para os grandes fotógrafos da história, lembro que ninguém cria do zero — a gente se apoia em gigantes. Foi por isso que reuni os *Mestres da Fotografia* Vol. 1 e Vol. 2: duas coleções que funcionam como um mapa de referências indispensáveis.
Estão juntos em promoção, porque inspiração boa também pode caber no bolso.
Os três gatos não eram atores profissionais – eram gatos domésticos emprestados por amigos. Entre as tentativas, eles precisavam ser sedados (com carinho e petiscos) e mantidos calmos. Um veterinário ficou de plantão durante toda a sessão para garantir que os animais não fossem machucados.
Yvonne Halsman, a esposa do fotógrafo, se tornou especialista em arremessar água com precisão cirúrgica. Ela ensaiou o movimento dezenas de vezes até conseguir criar o respingo perfeito no momento exato do salto de Dalí. Seus braços doeram por uma semana depois da sessão.
A equipe era pequena mas eficiente: além de Halsman, Yvonne e Dalí, havia dois assistentes responsáveis pelos gatos, um ajudante para a iluminação, e alguém só para limpar e reposicionar tudo entre as tentativas. Cada pessoa tinha uma função específica e cronometrada.
O Laboratório Onde a Magia Acontecia
Depois das seis horas de sessão, o trabalho estava longe de terminar. Halsman tinha 26 negativos para revelar em seu laboratório pessoal – um processo que levaria a noite inteira. Em 1948, não existia laboratório comercial que pudesse processar algo tão específico e delicado.
O processo de revelação era artesanal: cada negativo precisava ser desenvolvido individualmente, com tempos e temperaturas controlados manualmente. Halsman usava revelador D-76 da Kodak, fixador comercial, e água corrente filtrada. O laboratório era um santuário de química e precisão.
A ampliação final foi feita em papel Kodak Illustrative 2, considerado o melhor para retratos da época. Halsman usou um ampliador Omega 4x5 com condensadores, ajustando manualmente o contraste e a exposição. Cada cópia levava cerca de 30 minutos entre exposição, revelação e secagem.
O resultado final passou por retoque manual com lápis e pincel – a única "pós-produção" disponível na época. Halsman removeu alguns fios de cabelo soltos, ajustou o contraste em áreas específicas, e garantiu que cada detalhe estivesse perfeito. Era Photoshop analógico, feito com paciência e habilidade manual.
Revolução Fotográfica de 1948: Quando Surrealismo Virou Técnica
Na época, "Dali Atomicus" foi uma bomba no mundo da fotografia. Revistas internacionais republicaram, fotógrafos tentaram imitar, críticos debateram se aquilo era arte ou truque publicitário.
O impacto foi triplo: técnico, artístico e cultural. Tecnicamente, provou que fotografia poderia capturar movimento complexo com precisão cirúrgica – numa era onde a maioria dos retratos ainda eram posados e estáticos. Artisticamente, elevou a fotografia de celebridade ao nível de instalação artística. Culturalmente, democratizou o surrealismo para além das galerias.
Era 1948, lembrem-se. O mundo ainda estava se reconstruindo pós-guerra, a televisão engatinhava, e a fotografia colorida era luxo. Numa época de escassez e pragmatismo, Halsman e Dalí criaram abundância visual pura – gatos voando, água explodindo, arte acontecendo.
A foto também estabeleceu um novo padrão para colaborações entre fotógrafos e artistas. Antes, fotógrafos documentavam arte. Halsman e Dalí criaram arte fotográfica colaborativa, onde o processo era tão importante quanto o resultado.
O Ícone que Atravessou Décadas
Hoje, 75 anos depois, "Dali Atomicus" continua sendo referenciada, parodiada e estudada. Virou meme antes dos memes existirem. Aparece em livros de fotografia, documentários, exposições e até comerciais de TV.
O que mudou foi o contexto. Em 1948, as pessoas viam técnica impossível. Hoje, vemos charme artesanal. Em 1948, era inovação. Hoje, é nostalgia por uma era onde fazer arte dava trabalho real.
Para a geração Instagram, "Dali Atomicus" representa tudo o que perdemos com a facilidade digital: paciência, planejamento, comprometimento com uma única imagem perfeita ao invés de mil medÍocres.
A foto também se tornou símbolo de algo maior: prova de que limitações técnicas podem ser catalisadores de criatividade. Halsman não tinha Photoshop, então precisou ser mais criativo. Não tinha modo burst, então cada clique precisava contar.
Lições Práticas para Fotógrafos de 2025
O que "Dali Atomicus" ensina para quem fotografa hoje?
Primeira lição: limitações geram criatividade. Experimentem fotografar um projeto inteiro com apenas 36 exposições, como um filme analógico. Vocês vão pensar mais antes de disparar, compor melhor, ser mais seletivos.
Segunda lição: preparação vale mais que pós-produção. Halsman resolveu tudo na captação porque não tinha escolha. Hoje temos escolha, mas resolver na hora ainda é mais eficiente que consertar depois.
Terceira lição: colaboração multiplica resultados. Halsman sozinho seria só um técnico competente. Dalí sozinho seria só um excêntrico. Juntos, criaram história. Procurem parceiros que complementem suas limitações.
Quarta lição: uma foto icônica vale mais que mil mediocres. Em vez de postar todo dia, que tal trabalhar um mês numa imagem única e perfeita? Na era da abundância visual, escassez bem executada chama mais atenção.
Quinta lição: processo é conteúdo. O making-of da "Atomicus" é quase tão famoso quanto a foto final. Documentem seus processos, mostrem os bastidores, contem as histórias por trás das imagens.
A "Dali Atomicus" nos lembra que antes da fotografia ser fácil, ela era mágica. E talvez seja hora de trazer um pouco dessa magia de volta para nossas práticas atuais. Mesmo que isso signifique jogar alguns gatos digitais pelo ar.
Quem estuda os mestres não copia: evolui. Vol. 1 e 2 de Mestres da Fotografia — juntos, num preço que você não vai acreditar.