Gordon Parks: A Câmera Como Arma Contra o Racismo
Amanhã abre no IMS Paulista a maior exposição de Gordon Parks da América Latina. 200 fotografias que documentam a luta pelos direitos civis nos EUA e a passagem do fotógrafo pelo Brasil em 1961.
Amanhã, dia 4 de outubro, abre no IMS Paulista a primeira retrospectiva de Gordon Parks no Brasil - e a maior já realizada na América Latina. São 200 fotografias que contam não apenas a história de um fotógrafo excepcional, mas a história da luta negra por dignidade nos Estados Unidos do século 20.
E por que você, fotógrafo brasileiro, deveria conhecer profundamente Gordon Parks? Porque ele provou que a fotografia pode ser simultaneamente arte, documento histórico e arma política. E fez isso sem jamais desumanizar seus retratados.
Gordon Parks: de US$ 12,50 à Revista Life
Gordon Parks nasceu em 1912 em Fort Scott, Kansas, durante a segregação racial. Aos 16 anos, após a morte da mãe, foi expulso de casa e passou anos na pobreza extrema - garçom, pianista, jogador de basquete semiprofissional, qualquer coisa para sobreviver.
Em 1937, aos 25 anos, comprou sua primeira câmera em uma casa de penhores por US$ 12,50. Um ano depois, suas primeiras imagens foram publicadas. Em 1948, tornou-se o primeiro fotógrafo negro contratado pela revista Life, uma das publicações mais influentes do mundo.
Para entender a magnitude disso: a Life moldava a opinião pública mundial com milhões de exemplares, e nunca havia confiado suas páginas a um fotógrafo negro. Parks não desperdiçou a oportunidade.
“American Gothic”: A Fotografia Que Define Uma Era
Uma das imagens mais importantes da história da fotografia foi feita por Parks em 1942, quando era estagiário na Farm Security Administration - a mesma agência de Dorothea Lange e Walker Evans.
Ao chegar em Washington D.C., Parks foi sistematicamente expulso de restaurantes, cinemas e lojas. Ferido e furioso, fotografou Ella Watson, funcionária da limpeza, segurando uma vassoura e um esfregão, com a bandeira americana ao fundo.
A imagem, American Gothic, é uma resposta direta à famosa pintura de Grant Wood - mas mostra a América real.
Parks explicou: “Coloquei-a diante da bandeira americana com uma vassoura em uma mão e um esfregão na outra. Foi assim que me senti naquele momento. Era isso que eu sentia em relação aos Estados Unidos e à posição de Ella Watson dentro dos Estados Unidos.”
Esta é a essência de Parks: honestidade brutal envolta em beleza visual.
Fotografando o Sul Segregado: Histórias da Segregação (1956)
Em 1956, a Life encomendou a Parks a série Histórias da segregação no sul. Para produzi-la, ele foi perseguido por supremacistas brancos, ameaçado de morte, quase linchado.






As fotografias coloridas mostram a brutalidade da segregação - as placas “Whites Only”, os bebedouros separados, os ônibus divididos - mas também a dignidade inabalável das pessoas negras.
Parks denunciava a estrutura racista enquanto celebrava a humanidade plena de seu povo.
Na série De volta a Fort Scott (1950), retornou à sua cidade natal para documentar o que aconteceu com ex-colegas negros. A maioria havia migrado para o Norte em busca de melhores condições, mas continuavam enfrentando violência e precariedade.
Malcolm X, Muhammad Ali, Martin Luther King
Parks tinha algo raro: a confiança das principais lideranças do movimento negro americano.
Em 1963, produziu Muçulmanos Negros, série sobre a Nação do Islã e Malcolm X, de quem se tornou próximo. As imagens mostram Malcolm em momentos públicos e privados - não o “militante perigoso” pintado pela mídia branca, mas um homem complexo e humano.
Fotografou Muhammad Ali não apenas lutando, mas brincando com crianças, sorrindo - em contraponto aos estereótipos de masculinidade violenta.
Documentou a Marcha sobre Washington (1963), onde Martin Luther King Jr. proferiu “I Have a Dream”, com mais de 250 mil pessoas.
Registrou os Panteras Negras, humanizando um movimento frequentemente demonizado. Parks tinha acesso porque era confiável. Era negro, entendia a luta e nunca traiu seus retratados.
“Eu Também Sou a América. A América Sou Eu.”
Em 1968, Parks escreveu um texto devastador para a Life que acompanhava fotos da família Fontenelle, moradores negros do Harlem em condições precárias. Este texto dá título à exposição:
“Entre nós dois há algo que vai além do sangue ou do preto e branco. Trata-se da nossa busca compartilhada por uma vida melhor. O solo sobre o qual protesto é o mesmo que você no passado protestou. Eu, também, sou a América. A América sou eu. Olhe para mim. Escute-me. Tente entender a minha luta contra o seu racismo.”
Esta frase resume toda a obra de Parks: reivindicação de pertencimento, denúncia do racismo e convite à empatia.
Gordon Parks no Brasil: A Visita às Favelas Cariocas em 1961
Poucos sabem, mas Gordon Parks esteve no Brasil em 1961, enviado pela Life para documentar as favelas cariocas.
Acompanhou por semanas a família Da Silva, que migrou do Nordeste para o Rio, especialmente Flávio, que sofria de bronquite crônica. A reportagem causou comoção internacional - leitores enviaram doações, a família comprou uma casa e Flávio foi aos EUA para tratamento.
Em 1964, Parks dirigiu Flavio, seu primeiro filme. Foi um dos primeiros filmes dirigidos por um homem negro em solo brasileiro.
A exposição traz imagens inéditas dessa visita: crianças jogando bola na Lagoa Rodrigo de Freitas e um culto evangélico no Rio.
Além da Fotografia
Gordon Parks nunca se limitou à câmera, Dirigiu Shaft (1971), ícone do movimento blaxploitation, e The Learning Tree (1969), primeiro filme de um cineasta negro em Hollywood. Foi pianista profissional e compositor, além de ter escrito livros, poemas e ensaios.
Sua influência permanece viva: Kendrick Lamar, Zanele Muholi, Devin Allen e Ava DuVernay reconhecem Parks como referência fundamental.
Lições Para Fotógrafos Brasileiros
Gordon Parks nos ensina:
1. Fotografia como transformação social
É possível fazer fotojornalismo engajado sem perder qualidade estética.
2. Respeito radical pelos retratados
Ele fotografava com cumplicidade, mostrando pessoas em totalidade - não apenas sofrimento, mas alegria e dignidade.
3. Representatividade importa
Como primeiro fotógrafo negro da Life, Parks abriu portas e mostrou perspectivas únicas.
4. Compromisso de longo prazo
Não fazia fotografia extrativista. Construía relações reais.
5. Versatilidade artística
Transitava entre fotojornalismo, moda, retratos, cinema e literatura.
A Exposição no IMS Paulista
Gordon Parks: a América sou eu - primeira retrospectiva no Brasil e maior da América Latina. O que você vai encontrar:
200 fotografias (décadas 1940-1970)
Séries icônicas: American Gothic, De volta a Fort Scott, Muçulmanos Negros
Retratos de Malcolm X, Martin Luther King, Muhammad Ali
Imagens inéditas do Brasil
Filmes Shaft e Flavio
Curadoria: Janaina Damaceno, Iliriana Fontoura Rodrigues e Maria Luiza Meneses
Serviço:
Gordon Parks: a América sou eu
IMS Paulista - Av. Paulista, 2424, São Paulo
4 out/2025 a 1 mar/2026 | Ter-Dom, 10h-20h
Entrada gratuita | ims.com.br
Abertura especial: Dia 4, às 11h, conversa com equipe de curadoria.
Por Que Você Não Pode Perder
Esta não é apenas mais uma exposição. É um encontro com a história, a chance de ver, presencialmente, o trabalho de quem usou a câmera como arma contra a injustiça sem perder a humanidade. É a oportunidade de entender como fotografia, política e arte coexistem sem que uma diminua a outra.
Como pontua a curadoria:
“A exposição é um reencontro com a história negra americana, mas também com um dos mais importantes fotógrafos do século XX, aquele que melhor documentou como a dignidade, o autocuidado e a beleza se tornaram formas de resistir a um sistema que desejava o aniquilamento de pessoas negras.”
A Câmera Como Testemunha e Arma
Gordon Parks disse: “Escolhi minha câmera como arma contra tudo que odeio na vida: pobreza, racismo, discriminação.”
Ele não estava sendo melodramático. Estava sendo literal. Suas fotografias mudaram leis, influenciaram políticas, transformaram percepções, humanizaram pessoas sistematicamente desumanizadas.
E tudo isso sem perder a beleza, a composição, a técnica impecável.
Amanhã, quando as portas do IMS se abrirem, estaremos diante de um dos maiores legados visuais do século 20.
Quer mais referência sobre Gordon Parks? Complementei esse post com outro no meu site particular, o Imagens, Números & Vísceras:







