Seu Olhar Mudará: O Segredo da Luz que a Ciência Roubou da Idade Média
A História que Você Não Viu: Por Que a Luz é o Grande Fio Condutor da Criatividade
Se você é fotógrafo, artista ou simplesmente um curioso pela forma como enxergamos o mundo, você trabalha com o legado de uma era injustiçada: a Idade Média.
Início: 476 d.C. (Queda do Império Romano do Ocidente)
Fim: 1453 d.C. (Queda de Constantinopla)
A narrativa comum diz que a Idade Média foi um parêntese de “trevas” entre o brilho da Antiguidade Clássica e o Renascimento. Nada poderia estar mais longe da verdade. Para nós, que vivemos da luz, a Idade Média é o período em que a luz (Ótica) deixou de ser apenas um fenômeno filosófico e se tornou o ponto de partida para o conhecimento e a arte.
Este é o primeiro de três artigos que provarão que o método científico e os grandes avanços da arte nasceram juntos, ligados pela geometria e pela luz. E tudo começa com uma revolução no pensamento que ocorreu no coração das primeiras universidades europeias.
Detalhe: a primeira universidade do mundo, a Universidade de Al-Qarawiyyin, no Marrocos, foi fundada em 859 d.C, a Universidade de Bolonha, na Itália tem sua fundação em 1088, coração da Idade Média.
Idade das Trevas? Onde?
Um pedido: antes de seguir adiante nesse texto, recomendo que leia a introdução de todo esse pensamento:
Nada é Mais Criativo que o Conhecimento
"A teoria mata a criatividade." "Na arte não existe certo nem errado." "A criatividade vem do acaso, da experimentação livre."
O Grande Vazio e a Necessidade de Provas
Para entender a revolução, precisamos voltar à Antiguidade.
Os titãs gregos, como Platão e Aristóteles, deram ao Ocidente as bases da lógica. No entanto, o conhecimento para eles era sobretudo dedutivo: partia de princípios universais e imutáveis, alcançados pela razão pura, para entender o particular. A observação empírica (ver para crer) era considerada de valor secundário, muitas vezes inferior à lógica.
A ciência antiga era, em grande parte, uma Filosofia Natural.
Quando o pensamento clássico retornou à Europa Ocidental, traduzido e enriquecido por estudiosos árabes (algo que exploraremos no Post 3), os pensadores medievais se depararam com um dilema:
Como conciliar a sabedoria dos antigos com a autoridade religiosa e com a experiência prática do mundo?
A resposta foi encontrada no sistema: era preciso criar um método de verificação.
Onde a Geometria Encontrou Deus: Robert Grosseteste
Na Universidade de Oxford, na Inglaterra do século XIII, um filósofo e teólogo chamado Robert Grosseteste (c. 1168–1253) — o primeiro chanceler de Oxford — lançou o alicerce dessa nova forma de pensar. Sua ideia era simples, mas revolucionária: o Universo é governado por leis que podem ser descritas pela matemática, e a Luz é a chave para tudo isso.
Para Grosseteste, a luz (lux) não era apenas energia; era a substância primária da criação, a primeira forma material que se expandiu a partir de um único ponto para formar as estrelas e os planetas. Se Deus é Luz, e o universo foi criado pela Luz, então estudar a luz é a forma mais direta de entender a criação (alegre-se, fotógrafo!).
Em seu tratado De Luce (Sobre a Luz), Grosseteste propôs uma teoria inovadora da criação do universo, séculos antes do Big Bang. Ele afirmava que a luz foi a primeira forma de energia e a primeira a dar corporeidade à matéria. A partir de um ponto de luz, ela se replicou infinitamente, arrastando a matéria consigo e expandindo o universo.
A densidade da matéria diminuiria à medida que a luz se expandisse, criando as esferas celestes que conhecemos hoje, uma idéia avassaladora que só reapareceria 7 séculos depois, na teoria do Big Bang.
Uma explicação rápida se encontra no vídeo abaixo, o primeiro minuto é uma analogia estranha, mas se explica depois..rs
Ele articulou um modelo de raciocínio que se tornaria a espinha dorsal do método científico: o método de “resolução e composição”:
1. Resolução (Indução): Observar fatos particulares e ascender a uma lei ou causa geral (formulando uma hipótese).
2. Composição (Dedução): Usar essa lei geral para prever o que acontecerá em novos casos e, crucialmente, testá-los.
A necessidade de testar era o divisor de águas. Pela primeira vez na história intelectual do Ocidente, a observação sistemática e a geometria tornavam-se a ferramenta essencial.
Roger Bacon: A Tirania do Experimento
Se Grosseteste foi o teórico, seu aluno, Roger Bacon (c. 1214–1292), foi o grande propagandista. Conhecido como Doctor Mirabilis (Doutor Maravilhoso), Bacon radicalizou a ideia do mestre.
Bacon defendeu que a Autoridade (o que os antigos ou a Igreja diziam), o Raciocínio (a lógica aristotélica) e a Tradição (os costumes) eram insuficientes. A única maneira de alcançar a Certeza era através da Experiência.
Ele cunhou o termo scientia experimentalis (ciência experimental), argumentando que ela era a “rainha” de todas as ciências.
”Se um homem que nunca viu o fogo provar por argumentos convincentes que o fogo queima, e o outro, que nunca argumentou, colocar a mão no fogo, qual deles terá a certeza verdadeira?”
Bacon não apenas teorizou sobre o método, mas o aplicou à Ótica. Ele estudou refração e reflexão e previu o uso de lentes para corrigir a visão e até mesmo para construir telescópios. Vale ler esse post abaixo:
Foda-se a Nitidez
A Ótica é uma ciência muito mais antiga que a Fotografia, os fotógrafos tendem, inutilmente, a superestimar essa característica das lentes.
Pense como um fotógrafo: O que é o método científico de Bacon, senão a base para qualquer experimentação técnica? Você não confia apenas na teoria da abertura do diafragma (raciocínio dedutivo); você faz um clique para ver o resultado (verificação experimental). Bacon deu o arcabouço filosófico para esse ato.
A partir do trabalho de Grosseteste e Bacon, a Europa começou a construir, tijolo por tijolo, o pensamento que culminaria na Revolução Científica de Galileu e Newton séculos depois.
📚 Curadoria Obscura: Sugestões para Aprofundar e o ‘Kit de Detecção’
Você viu como a semente do método científico foi plantada para lutar contra a dependência da Autoridade. Agora, convidamos você a ver o destino final desse método: o uso dele como um “kit de detecção de mentiras” contra o irracionalismo moderno.
Leitura Essencial: “O Mundo Assombrado pelos Demônios: A Ciência Vista como uma Vela no Escuro” (Carl Sagan).
Carl Sagan, o fervoroso defensor do pensamento crítico do século XX, escreveu este livro como um guia contra a pseudociência, a superstição e a fragilidade da razão. A sua luta pela exigência de evidências verificáveis é o eco direto da voz de Roger Bacon, que no século XIII já alertava: “A experiência é a única forma de obter a certeza”.
Este livro conecta o ímpeto medieval de buscar a verdade pela observação com a nossa responsabilidade moderna de usá-la. É a continuação perfeita do nosso post.
Este é um livro que todo leitor da Obscura deve ter. É uma defesa da razão que nos lembra que o ceticismo e a admiração (os dois pilares do método de Sagan) começaram a ser forjados nas universidades medievais, um investimento essencial no seu desenvolvimento intelectual e na sua visão de mundo.